domingo, 29 de janeiro de 2017

Razões

Por Cícero Márcio da Hora Nascimento

A onda de intolerância tem crescido em várias esferas do viver em sociedade. Antes de criticar ou tecer quaisquer comentários negativos a respeito do assunto, é necessário buscar-se as origens de tal “onda crescente” da polaridade reinante atualmente. Como surgem ideias extremas? Qual o fator motivador desse turbilhão de efervescência social? O que fazer?
Partindo sob o prisma de que o ser humano é pensante e por menos intelectualizado que seja é dotado com capacidade de absorver as informações que estão disponíveis e a partir destas conceber suas visões axiológicas do que considera ser justo/injusto, bem/mal, moral/imoral e etc. Associado a isso ocorre que também a espécie humana é intrinsecamente política e social, ou seja, tem a capacidade e/ou necessidade de viver partilhando espaço comum, com experiências e concepções individuais, mas precipuamente coletivas. Assim sendo, chega-se a conclusão que a sociedade é formada sob esse viés, composição de uma espécie com essas características. O próprio Estado, comunidade política em determinado espaço territorial, tem que ser estabelecido obedecendo-se a isso. E para que existe o Estado então? Deveria ser para atender o assim chamado bem comum. Mas, como é sabido, não raras vezes os que detêm o poder político e econômico formulam-no como sendo algo que se distancia dos anseios sociais. Como o Homem é racional, pensa logicamente, não suporta o fato de ser enganado pela entidade que tem por razão de ser Ele mesmo. Observa-se então que o próprio sistema com suas falhas, proposital ou não, é responsável pelas reações nos mais diversos níveis. Alguns indivíduos se silenciam, isso não quer dizer que concordem. Outros são mais enfáticos, se pronunciando e partindo para o “campo de batalha” política, esta não no sentido oficial.
Se observar a história da humanidade estará repleta desses exemplos: O estabelecimento de determinado ente, que mais cedo ou mais tarde não consegue mais atingir os objetivos previamente estabelecidos – o bem comum. Sejam os estados constitucionais, sejam outros tipos, cedo ou tarde, terminam criando vícios que parcela considerável da população passa a questioná-los. Como, normalmente diante da insatisfação social o Estado, na figura dos políticos oficiais, não reage no sentido de atender as demandas, começam a surgir toda a espécie de pensamentos que estão exatamente no polo oposto daqueles que sustentam o poder político e ideológico. Infelizmente, aqueles que deveriam zelar pela segurança social são os primeiros a negligenciá-la, desconsiderando aspectos históricos e culturais de determinada comunidade ou região política. É assim que surgem pensamentos extremados, seja a nível macro – internacional, ou a nível micro- local.
Quando Instituições não cumprem sua missão, escrita ou não, internamente começam a despontar ideias que se tornam um contraponto. Como costumeiramente são ignoradas, encaradas com desdém, alguns partem para a segunda etapa que é o uso mais enfático em defesa de suas aspirações. É o caso dos diversos grupos dentro da sociedade brasileira que não têm sua voz ouvida ou pelo menos não é atendida. Que o diga a criação das diversas leis que flagrantemente desrespeitam a sociedade, especialmente aquelas referentes à tributação, muito embora existam outras, a exemplo da “lei da palmada”, retirando dos pais o poder de disciplinar seus filhos, entendendo que era uma forma de lesão ao direito de integridade física e psicológica do incapaz. No entanto, ao ser criada a norma, foram desconsiderados aspectos histórico-sociais e culturais. E como era de se esperar, muitas reações surgiram pós-publicação. Além disso, existe o atual cenário de desmoralização daqueles que representam o poder político, os quais estão envolvidos numa série de escândalos que deslegitimam sua pessoa e ações perante o povo brasileiro.
Se não houver um ponto no qual se repense a maneira como está organizado o Estado Brasileiro, por parte daqueles que têm o dever moral e legal para fazê-lo, considerando-se todos os aspectos inerentes a sociedade da qual e para qual é a razão de ser do Poder desse, essa “onda de intolerância” continuará a crescer e talvez não se resolva mais simplesmente com promessas vazias de campanhas eleitorais, pois em muitas sociedades, o sentimento de ser injustiçado se transformou em revoltas que custou muito sangue derramado. No próprio território brasileiro, muitas vidas já foram ceifadas no passado e revoltas foram sufocadas, mas a um alto preço. Será que precisamos chegar a esse ponto? Ouvir a população atendendo suas necessidades mais básicas, como saúde, educação e direito a uma vida digna não é algo intangível dentro da realidade de arrecadação tributária brasileira. Só basta no lugar de tentar juntar esforços políticos para estancar a “sangria da Lava Jato” ser desprendido para estancar a “sangria da corrupção”.



segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A necessária reforma política

As ideologias são fortes instrumentos políticos que visam defender um determinado ponto de vista para fundamentar a ordem vigente. Ocorre que, mais cedo ou mais tarde, todo sistema apoiado por determinada ideologia termina gerando questionamentos. A partir daí, novos conteúdos ideológicos tomam lugar dos antigos, anunciando uma alteração, grande ou pequena, do esquema de forças que ocupam o poder.
 O modelo político-ideológico no qual o Estado Brasileiro se fundamenta tem se mostrado questionável por grande parte da população, e isso já faz algum tempo. Há quem pensa e pronuncia que o problema é o atual Presidente da República Federativa do Brasil, Michel Temer, mas estes se esquecem terem ocorrido pedidos de Fora Collor, por conta da situação econômica e de corrupção que aparentemente assolava o país, de Fora FHC, de Fora Dilma, e agora em relação ao Temer. Neste momento no qual os ânimos se afloram e as pessoas tendem a tomar partido, contra e a favor, de pessoas e não de ideias, é imprescindível que haja sensatez para pedir mudanças não de figurinhas políticas e sim de todo um sistema que sustenta a Política Nacional.
É notório, por cultos e leigos, que o cenário atual é de total desmoralização das instituições políticas. E isso é tão real que não existe um só partido político que inspire na população um sentimento de representação dos anseios populares. PT, PSDB, PP, PTB, PV e tantos mais “P” que existem, não conseguem representar em amplitude e/ou inspirar, em parcela significativa da população, confiança. Ainda que a relação de poder no Estado se dê de maneira cogente, unilateral, este nunca poderá ser um pretexto para aniquilar de maneira total os anseios individuais, que quando agrupados se tornam o anseio do todo.  Ocorre que a Política no Brasil está cada vez mais utilizando esse pretexto de que são representantes legais do povo e dia após dia estão desrespeitando imoralmente o povo de onde e do qual todo poder emana. Estes que deveriam representá-lo se esqueceram de que embora eles representem legalmente a sociedade, a legitimidade como um processo e conceito maior que exige a existência de uma relação não só de poder legal, mas muito mais de confiança, admiração, dentre outros sentimentos importantes para o processo de construção de líderes e identificação com o povo.
Outro exemplo atual de como a Política Nacional está desmoralizada se evidencia em vários escândalos que dia após dia são manchetes em jornais pelo Brasil e pelo mundo e têm gerando um sentimento de indignação, não puramente por terem acontecido, porém muito mais pela inércia e impunidade reinante em relação aos políticos envolvidos. São tantos conchavos, acordos políticos, que o diga o caso Renan, que chegou ao ponto de boa parte dos diferentes grupos que se manifestaram terem a ousadia e parcialidade de não se pronunciarem a respeito de pessoas envolvidas no esquema de corrupção. Isso a época do impeachment.  É a maior demonstração que o nosso senso de moralidade política está entorpecida e que perdemos a sensibilidade para percebermos que de forma alguma os fins devam justificam os meios. Dizer que Renan Calheiros e Cunha eram importantes para que o processo de impeachment da Presidente Dilma se concretizasse foi um absurdo sem precedentes. Sendo que eles próprios, pelo que mostram as investigações, não eram nem mesmo dignos de ocuparem os cargos que ocupavam. Não chamaria de golpe, o Impeachment de Dilma, através de manifestação popular pedindo a renúncia da presidente, entretanto, sem dúvidas indica uma falta de lideranças políticas legitimadas pelo povo, sejam essas lideranças do Senado ou da Câmara dos Deputados. Alguns argumentavam que era a hora de alianças, independente da situação moral dos aliados políticos, mas muito mais prudente seria dizer: Não há mais espaço para acordos políticos, para politicagem. Esses acordos políticos que herdamos desde o processo de nossa emancipação, passando pela “Política do Café com Leite”, pelo período do Regime Militar e chegando aos nossos dias, são com certeza uma maldita herança cultural que constantemente norteia a Política Nacional. Só para ilustrar: não faz muito tempo que estourou o escândalo do mensalão, no ano de 2005, e o então presidente Lula saiu costurando alianças no Congresso Nacional, pois a época a sigla de seu partido se viu no cerne das denúncias. O resultado dessas alianças é o que vemos hoje, PMDB e PT como protagonistas de um novo escândalo de corrupção: A OPERAÇÃO LAVA JATO.
Antes de sairmos para ruas para discutir pessoas, é necessário discutirmos ideias de como mudar o panorama político existente, o qual de uma forma ou de outra se constitui terreno fértil para crescer a corrupção. Mudar figurinhas políticas, simplesmente por mudar, não mudará o cenário moral da política no Brasil, a qual está intrinsecamente ligada a uma corrupção histórica. Querer moralizar a Política Nacional demonizando políticos e fazendo acordos com figuras já indiciadas na Lava Jato, implicará em recomeçar da maneira errada. Mesmo que sejam produzidos efeitos positivos dessas recentes manifestações, elas não tocarão no âmago da questão Política como um todo: a Corrupção. A verdade é que mudanças são necessárias, mas estas não deverão ser tão somente de “A” ou “B”, mas deverão ser prioritariamente estruturais, que venham a criar mecanismos sérios de combate a corrupção, pois uma vez concretizadas e postas em prática, não só na forma de lei, será possível construir um país que não sofra tanto por conta da corrupção.