quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Silêncio internacional

Os recentes acontecimentos na Europa têm chamado muito a atenção dos órgãos de imprensa em todo o mundo. De fato, as barbáries praticadas pelos defensores de uma ideologia extremista, uma interpretação baseada na submissão total é numa cruzada que na visão dos seus defensores é a defesa do Alcorão, são de causar perplexidade. Não há o que se discutir sobre os motivos e as supostas razões para em nome de uma crença, modo de pensar, se impor por meio da violência, física ou psicológica, o ponto de vista, seja de indivíduos, de um grupo ou até mesmo de uma sociedade. São, portanto injustificáveis os métodos adotados pelo radicalismo fundamentalista em relação à Europa, ainda que existam motivos geradores do fenômeno da violência naquela parte do mundo.  Esse é um lado da história. Porém, há muitos séculos os povos africanos vêm sofrendo toda espécie de violência e não tem sido diferente nos dias atuais, inclusive os relacionados ao terrorismo fundamentalista, muito mais cruel em sua manifestação dentro do continente africano.
É impressionante a capacidade, e chega até ser hipócrita, o comportamento adotado pelos órgãos de imprensa em todo o mundo ao veicular com tanta ênfase e repúdio os atos de violência quando estes ocorrem dentro do Território Europeu, gerando grande comoção e despertando nas massas populacionais um sentimento xenofóbico, algo semelhante ao antissemitismo pregado na ideologia Nazifascista. É razoável e necessário repudiar os atos de violência na Europa. Mas por que tanta negligência quando se trata da África? Quanto vale uma vida? Quanto vale um ser humano? Será que um africano vale menos que uma vida humana em outra parte da terra? Será que os profissionais de imprensa da comunidade internacional podem dizer, com uma atitude que também demonstre isso, que abordam o terrorismo de igual forma, quando este acontece em continentes com importâncias geopolíticas distintas (África e Europa)?
Fora os ataques do fatídico onze de setembro ano de 2001 que vitimou 2.977 pessoas, todos os outros ataques alardeados pelos veículos de comunicação não se comparam a violência sofrida pelos povos africanos, sendo muitos atentados com mortos acima de 200 vítimas. Infelizmente, alguns podem tomar até como espanto essa informação sobre o terrorismo na África, mas só basta pesquisar na internet, ferramenta extremamente de informação de fato democrática, que isso se confirma. O último e comentando atentando na Alemanha, com nove mortos, nem se compara com os setenta e cinco mortos deixados na Nigéria pelo Boko Haram (http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/01/ataque-do-boko-haram-deixa-dezenas-de-mortos-na-nigeria.html)[1].  O que impressiona é que o Globo gastou cinco linhas para noticiar algo dessa natureza e gravidade. No entanto, ao noticiar o da Alemanha foram vários posts com não menos que 30 linhas cada e vídeos, além de ganhar espaço no fantástico e jornais televisivos. Parece ser uma simples notícia, desprovida de intenção, todavia como uma excelente professora de português que tive e dizia, “todo texto, seja na modalidade escrita ou falada, tem intencionalidade e expressa de alguma maneira a ideia do escritor”. Na notícia a respeito do atentado na África existe um fato sendo publicado, nos casos da Europa, existe uma versão, uma ideia sendo vendida. A conclusão é que essas cinco linhas em comparação com as trinta linhas dizem muito mais: descaso e preconceito.
A invenção da imprensa de fato foi algo inovador na história da humanidade e o papel que a mídia passou a ter nos Estados com ideais democráticos são preponderantes para manutenção e promoção da democracia. Porém, o papel ideal da grande mídia está desvirtuado e cada vez mais se posicionado a serviço do Capital, como o rejeitado Karl Max diria nos dias atuais, do que a serviço da humanidade. Responsabilizar os europeus e aqueles que mandam na economia mundial é uma tolice, pois a verdade latente é que se trata de uma luta de classes permanente.  Todos aqueles que são profissionais da imprensa e que se colocam como detentores das “noticias e informações relevantes para as pessoas”, que se dizem “preocupados com os direitos da pessoa humana”, mas negligenciam o devido cuidado com este povo no globo terrestre confirmam uma constatação: Permanência de uma escravidão, dominação, manifestada em outra forma, aspecto, mesmo após a abolição da escravidão no âmbito internacional. Isso é inadmissível. É simplesmente pura demagogia e explicitam ainda uma cultura de dominação, velada talvez, reinante e que é reproduzida, direta e indiretamente, pela Imprensa internacional. Uma selvageria chamada Capitalismo e Imperialismo das nações centrais. Não restam dúvidas existirem valorações de um humano europeu em relação a um africano. Essa estabelecida e reproduzida pela grande mídia é um produto do capitalismo selvagem e retratam com fidelidade uma “cultura eurocêntrica” que relaciona-se intrinsecamente com o Imperialismo sendo suavizada com a ideia do que é preocupante para a comunidade internacional.
De fato, o terrorismo é uma questão séria que precisa ser discutido e combatido imparcialmente, sem fazer ressalvas de povo ou cultura. Observar e refletir sobre o assunto, inclusive propondo medidas de combate, preventivo e repressivo, mais efetivas em partes da Terra, além da Europa, de igual maneira, seria um bom começo. Tudo isso sendo respeitadas as peculiaridades culturais de cada povo. Do contrário, estaríamos apenas nos enganando, pois o que ocorre na Europa se compara a “ponta do Iceberg” de algo muito maior em extensão e profundidade. Se resolvido nesse continente não solucionará e eliminará o problema por completo, apenas parte deste, funcionando paliativamente e não tocará no cerne do assunto, a saber: terrorismo será sempre terrorismo, não importando as fontes e/ou as vítimas a quem se direcionam suas ações.
Falar do terrorismo sem tocar na questão da África é simplesmente tratar da humanidade parcialmente, sem usar de humanidade. Ou será que perdemos a sensibilidade, se é que já tivemos algum dia, de sermos humanos? A própria grande mídia deve ser pioneira no sentido de rever a importância que tem dado ao assunto, procurando ampliar os seus debates para além da “Europa”. Não se trata de uma discussão puramente de afirmação racial, e sim de algo sério que tem ceifado vidas e comprometido o desenvolvimento de gerações inteiras no continente africano. Silenciar não é a solução. Não se trata de um problema exclusivo da Europa ou África, porém de toda a humanidade. Afinal, “uma injustiça praticada contra um só ser humano é uma ameaça para toda a humanidade”. Que dirá contra um povo?




[1] Esse é apenas um dos atos terroristas na África  que segundo o http://www.dn.pt/mundo/interior/a-luta-dos-nigerianos-contra-o-terrorismo-do-boko-haram-5394975.html desde 2009 já vitimou mais de 15.000 pessoas só Nigéria.

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